quarta-feira, 22 de julho de 2009

Diante de uma folha em branco


Diante de uma folha em branco.
É assim que se começam as grandes estórias e histórias da humanidade.
Mas é um início de texto piegas demais. Estive pensando mesmo era em uma palavra, frase ou qualquer coisa que servisse de gatilho para eu começar a disparar meus sentimentos sobre o teclado. “Diante de uma folha em branco” é um adjunto adverbial de lugar (? - talvez esse seja também um tópico de reflexão: circunstanciadores...) muito temido por muitos de meus alunos. E acho que é mesmo sobre eles que mais falarei neste espaço (de tempo? - ah... os circunstanciadores). Acabo de me dar conta de que tenho trabalhado como servidora pública. Minhas aulas têm sido tão chatas que nem eu as tenho suportado mais. Nunca mais ouvi um elogiosinho, uma comparação com um professor famoso, um “eu nunca tinha entendido direito esse assunto, mas você explica tão bem...”. Enfim, parece que estou mesmo em crise. Não sei se, dessa vez, a motivação é ainda pessoal. Nesse setor, já investi bastante e até contratei detetive para encontrar funcionários-fantasma, desvios de verba ou baixa produtividade. Então, ao que me parece, a questão não é estrutural. Tenho agido, em meus períodos de aula (para quem não sabe, períodos de aula são todos os momentos da sua vida que você dedica à sala de aula – espaço denominado sagrado para muitos teóricos românticos da educação), pois é, em meus períodos de aula, pareço até uma velha professora cansada que, a qualquer momento, pode arrancar um pedaço da orelha de um aluno (e isso já aconteceu com uma pobre professora desequilibrada).
Acabo de reler o texto até o parágrafo acima e, como quem cata feijão, fisguei uma frase que pode encher de água a boca de muitos psicanalistas: “Não sei se, dessa vez, a motivação é ainda pessoal”. Ora, sou professora de português e, teoricamente, devo saber identificar as ambiguidades das frases. Percebo claramente a palavra “motivação”, que, no contexto, é interpretada como a causa, a origem do problema. Mas talvez eu mesma me contradiga. A frase que destaquei denuncia que a questão é sim pessoal. Diria até melhor: é emocional e psicológica. Sempre precisei muito da aprovação dos outros, apesar de bradar aos quatro ventos que queria “provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém”. Admito. É possível que aí esteja o início do problema. Como tenho ouvido poucos elogios (na verdade, nenhum), desinteresso-me pela aula. Ajo (sem “h”, horrível)imperdoavelmente de maneira autoconfiante demais. Não reviso os slides, não procuro mais textos interessantes, não tenho a mínima vontade de pensar em maneiras novas de dar um assunto... enfim. Já tenho praticamente todas as aulas de cabeça, mas mesmo as aulas que sempre funcionaram tão bem, que me faziam sair das escolas cheia de mim, mesmo essas aulas não têm mais surtido efeito. Acho que contribui para isso também a minha convivência mais próxima com outros professores experientes demais. Esses são os piores. São basicamente dois tipos: aqueles que não se importam minimamente com as relações pessoais com os alunos (expulsam-nos – olha a ambiguidade aí gente – da sala sem titubear, nem um pingo de dó no coração) e aqueles que, coitados, só sabem se lamentar do comportamento dos alunos, pedem-lhes incansavelmente a atenção, resistem em retirá-los da sala e acabam com sua saúde física e mental. Eu sinceramente tenho passeado pelos dois tipos. Aliás, normalmente esta é a trajetória dos professores: iniciam muito empolgados e motivados, mas, depois de algumas frustrações, tornam-se rudes e, como forma de defesa, preferem não ter muita aproximação com os alunos. Se o professor não aprende a ser insensível, muito provavelmente está fadado a ser depressivo, carente e desmotivado. É uma pena, mas acabo de perceber em mim um discurso que sempre tentei combater na faculdade. Fiz estágio, observei aulas de muitos professores, colhi seus depoimentos e, em meu relatórios, os critiquei dura e injustamente. Só quem é desrespeitado e humilhado diante de dezenas de adolescentes sabe do que estou falando. É. A coisa é pessoal.

Mas é claro que existem também aqueles “grandes mestres” que, contrariando todas as expectativas, conseguem ser, ao mesmo tempo, competentíssimos, sensíveis, engraçados e têm toda a admiração e dedicação (!) de seus alunos Estes deveriam ser nossos alvos (não para matá-los, lógico. Controlem suas invejas!), nossas metas. Pô, mas tá difícil! Sou também “popstar” de vez em quando. Só não consigo manter uma identidade.
Pois é... soltem suas vozes, professores de todos os cantos. Só não me estimulem a fazer deste blog um muro de lamentações. Acho que ainda tenho tempo....

4 comentários:

  1. pois saiba que eu me orgulho muito de vc. também me sinto velho cedo. que tal um café?
    um beijo

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  2. Senhora das palavras de lá,

    É muito compreensivo o que estás vivendo. Já passei por essa crise existencial e decidi fazer escolhas. Decidi que não iria me (des)gastar com os tais adolescente/aborrecentes. Decidi e muito trabalhosamente dedicar-me aos infantes. Estes sim dão, talvez, mais trabalho que os "grandinhos", mas, no entanto, quantas alegrias tenho com eles. É bem verdade que perco a voz, de vez em quando, mas também dou muitas risadas, me divirto com as ideias, propostas, ah... e a imaginação deles!!!! Uma delícia!!
    Já me disseres outrora que essa não é tua praia. Talvez estejas em baixa estação. Isso passa! O outono virá com novos tons... Rezemos para que os grandinhos mudem também de humor, de desejos, de inspirações...
    Ah... falaras ainda de esperar dos outros o reconhecimento... Aqui deixo um aprendizado!!!
    O melhor reconhecimento é a consciência de fazer o melhor para que o teu trabalho flua, aconteça!!
    Conhecimento também é importante, mas isto não é teu problema!!! Sabes o quanto é capaz e dominas bem o que fazes...
    Também falaste em terapia e coisa e tal... Recomendo dose tripla para todos..Faz tão bem à alma!!!
    O resto é viver e não ter a vergonha de fazer o que fazes com amor...
    A vida é dura e o buraco está por todo lado... Não adiantas se desesperar...
    Escrever aqui é compartilhar um pouco dessa dor que é constante...
    Continuaremos a nos falar...
    Senhora das palavras daqui!!!

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  3. Queridona.... tudo faz parte: as fases ruins são boas ao menos para podermos lembrar as boas e desejar voltar a elas, não? Ruim é não se perceber... Bem ou mal, não se perceber é uó. Não me parece o seu caso. Já me lembraram que uma linha reta também pode indicar a morte, pelo menos naqueles aparelhos que colocam pra verificar os batimentos cardíacos. Eu gostei da metáfora, espero que vc tb. Beijos, Jorge

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  4. "Se o professor não aprende a ser insensível, muito provavelmente está fadado a ser depressivo, carente e desmotivado. É uma pena, mas acabo de perceber em mim um discurso que sempre tentei combater na faculdade."

    Não sei se é porque pouco ou nunca li desabafos de professores,mas me identifiquei muito com tudo.
    Ando muito DESANIMADA,CANSADA E SEM ENERGIA PRA ALUNO MAIS NENHUM. Sinceramente, quero minha aposentadoria...

    Amiga, precisamos tomar AQUELE chopp.
    Como diz Daniel Farias : Muito Orgulhosa de você.

    Beijo

    Bárbara Luzia

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